Em todo começo de semestre quando recebo novas turmas em cursos de Marketing e Gestão Comercial, faço uma questão direta e bem clara: “Alguém aqui está fazendo Marketing com a esperança de ficar sentado atrás de uma mesa?”. Quando alguém ameaça dizer que sim respondo direto e principalmente com sinceridade: “É melhor você rever os seus conceitos”.
Digo isso pois todas as vezes que simplesmente saio para dar uma volta para observar as coisas e como o mercado se comporta na vida real acabo aprendendo… e muito! Por mais que utilizemos esse espaço para discutirmos as tendências de Marketing e como ele deveria ser feito de forma teórica e prática, uma simples visita a uma feira livre pode nos ensinar muito…. É um retorno ao básico, trata-se do retorno de profissionais de Marketing ao que deveria ser considerado o básico do Marketing.
Justificarei o meu discurso acima compartilhando com você, caro leitor, uma experiência que tive nessa última semana, a primeira semana de setembro de 2012. Nessa semana em um dos poucos intervalos que tive, fui convidado a almoçar em uma feira livre do bairro do Tatuapé em São Paulo. Um almoço em uma feira livre por aqui, significa comer o pastel com caldo de cana (garapa em vários lugares do Brasil). Quando adentramos a essa feira livre, percebi uma coisa que me chamou muita atenção… um desenho de um morango feito na rua e uma seta indicando um sentido a ser seguido. Isso me chamou a atenção pela forma artística e bem feita de que fora desenhando naquele asfalto surrado. Nesse momento fiquei muito curioso em saber o que isso significava. Mais alguns passos na feira e mais uma seta com o mesmo desenho indicando uma nova direção a seguir. Mais alguns passos e uma nova seta. No fim da “caminhada”, depois de pelo menos 6 setas, vejo-me em um dos cantos mais remotos e desprestigiados da feira e enxergo uma faixa pendurada com o mesmo morango do asfalto, porém impresso em um tamanho bem maior.
O fato mais inusitado foi perceber que naquele canto esquecido, havia uma concentração muito grande de pessoas, esperando pacientemente sua vez em uma fila incrivelmente organizada. Acabei por observar aquele movimento por alguns minutos e percebi que a quantidade de pessoas não ficava menor. O índice de rotatividade de clientes era enorme. Tal curiosidade fez com que conhecesse o “Seu Carlos”, como é mais conhecido.
“Seu Carlos” é um senhor simples que com uma Kombi repleta de morangos me deu uma das lições mais importantes dos últimos anos: “Devemos visitar mais as feiras livres”.
Nessa época, em qualquer feira livre, encontramos vários feirantes oferecendo morangos de diversos tamanhos e diversos preços. Essa guerra de preços faz com que os clientes pechinchem mais e principalmente os próprios feirantes comprometam suas margens com o passar das horas e o fim da feira chegando (qualquer semelhança com o varejo “moderno” em fim de mês com metas a atingir, não é mera coincidência). Porém “Seu Carlos” com sua ação promocional ou ação de trade (em certo momento ele me perguntou “Ação de que Clayton?”), faz com que os clientes cheguem até sua posição não privilegiada, esperem por pelo menos 5 minutos em uma fila e mesmo assim o preço da caixa de morangos com 12 unidades de tamanho médio ou grande é de R$ 10,00. Detalhe o preço é o mesmo das 7:30h às 13:00h horário em que a feira acaba aqui em São Paulo, por imposição da prefeitura.
“Vendo a R$ 10,00 aqui na “zelê” (gíria de zona leste de SP), porque na feira de quinta-feira em Aldeia da Serra, vendo a R$ 15,00”, diz “Seu Carlos” em dado momento.
Confesso que fiquei boquiaberto com essa informação. Acabei por começar a analisar a Kombi de “Seu Carlos”. Deparei-me com uma coisa bem diferente do normal em uma feira livre, onde nas portas da Kombi abertas com várias fotos da lavoura de onde o Morango vem, bem como, uma placa com o seguinte recado: “Trabalhamos com morangos selecionados em bem plantados e bem tratados. Se você quer um Morango qualquer, aqui não é o seu lugar”. Essa frase que considero uma afronta a qualquer teoria e prática moderna de comunicação e de Trade Marketing é levada com muito bom humor por todos os que frequentam o lugar, inclusive as pessoas novas que assim como eu, foram atraídas pelos desenhos no asfalto.
O atendimento é excelente, “Seu Carlos”, rotula seus morangos com o dia e o horário em que o lote de morangos foi colhido e acrescenta um pequeno bate-papo com o cliente que chega, mesmo que seja a primeira vez em que aquele cliente compra. “Achou difícil me encontrar aqui?” é a sua frase mais comum.
Num mundo em que estudamos todas as teorias e práticas de Marketing incansavelmente, onde os mantras do varejo são entoados nos 4 cantos do mundo, onde a localização do PDV é importante, a disposição dos produtos em gôndolas é estudada com afinco, onde ficamos bolando estratégias de trade Marketing e promoções diversas para vendermos no varejo “moderno”, encontro “Seu Carlos”, vendendo seus Morangos com diferença de até 300% em relação aos morangos da concorrência, sem trocar os preços de seu produto independentemente do horário, com um esquema de comunicação extremamente simples, mas eficaz, e que mesmo assim vende 450 caixas de morango diariamente…
Muitas vezes não precisamos de nada suntuoso para chamar a atenção dos clientes. Muitas vezes uma simples visita a uma feira livre faz com que aprendamos lições extremamente importantes em que a simplicidade de ações é muito mais eficaz de grandes campanhas “boladas” muitas vezes por “gênios” que simplesmente não aceitam sair de trás de suas maravilhosas mesas dentro dos escritórios com ar-condicionado. Infelizmente, muitos de nossos colegas ainda teimam em não aprender o que uma simples feira livre nos ensina… diariamente…
E você? Acha mesmo que em Marketing ficaremos atrás de uma mesa?
Abraços a todos e até a próxima!
* Clayton Cunha é formado em Administração de Empresas com Análise de Sistemas, e é pós graduado em Marketing pela Universidade Mackenzie. Atuou na área de Marketing em Bancos e empresas de Telecomunicações desenvolvendo estudos de Comportamento do Consumidor, bem como, atuando nas áreas de inteligência de mercado e principalmente marketing de relacionamento, marketing direto e CRM. Atualmente é professor dos cursos de Marketing, Gestão Comercial, Logística e Gestão da Qualidade da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), e consultor de empresas.
Fonte: www.implantandomarketing.com
Não pude deixar de publicar este excelente artigo. Parabéns Clayton Cunha. Principalmente por não ser um artigo rebuscado e repleto de teorias, mas sim por ser um artigo com um toque de depoimento, e marketing é isso mesmo, é perceber uma lição em cada momento da vida. Feliz do profissional de marketing que tenha esta visão de procurar lições a todo o momento e onde menos se espera. Se estes profissionais a que ele se refere tivessem esta preocupação, talvez não tivéssemos tantas propagandas ruins na televisão. Estamos na era da publicidade Mais do Mesmo, onde certos profissionais preferem não arriscar. Copiar e não inovar é a ordem do dia para eles. Como menciona o autor, quem sabe se estes profissionais saíssem um pouco de suas salas e deixassem um pouco suas mesas suntuosas e fizessem uma visitinha a uma feira livre ou prestassem mais atenção ao detalhes da vida e neste empreendedores de marketing que não possuem nenhum conhecimento acadêmico mas possuem muitos conhecimentos práticos e tem muito a nos ensinar, quem sabe suas cabeças criativas não pudessem produzir conteúdos publicitários bem melhor não é mesmo ?
Luiz Fernando Madalozo
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